Inovação: uma estrada, não um destino!
- Luiz Serafim
- 29 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de jan.

Nos palcos, nos livros, nas redes sociais, muita gente dissemina ideias simplistas recheadas de clichês, e pior, vendendo inovação como um fim em si mesmo. Quem nunca ouviu algum empreendedor de palco contar que inovação é festa caótica com pessoas disparando ideias aleatórias em Post-its coloridos nas paredes de salas colaborativas?
Inovação nunca é fim em si mesmo. Existe um trabalho fascinante antes de sair gerando ideias e criando iniciativas para todo lado. É um esforço que deve ser alinhado com os propósitos da organização, com sua visão de negócios e valores.
Para inovar no presente, a avenida principal é entender as experiências dos seres humanos a quem servimos. Quais são suas dores? Momentos de dificuldade e desconforto? Quais interações geram satisfação? E dentro disso, onde estão as oportunidades de receitas?
Neste pacote, estão as tais “low hanging fruits”, “os snacks servidos na nossa frente no check-out da inovação”. Neste percurso, com lombadas e atalhos, mas com menos buracos e várias placas de sinalização pela estrada da inovação, há muitas oportunidades a priorizar para gerar valor no curto prazo.
Se você escutou que empatizar com o cliente é coisa da metodologia Design Thinking, esse mapeamento de jornadas é muito mais antigo.
Falando pela 3M, onde naveguei por 3 décadas, garanto que vivíamos com essa preocupação genuína com os clientes, em observação contextual e empática, desde os anos 1920. Fita crepe e Durex nasceram por meio desse método.
Por outro lado, não se pode ficar restrito ao “horizonte 1” de inovação, aquele espaço em que se busca melhorar o core business, com inovações incrementais para as atuais linhas de produtos e serviços, processos e operações. Isso é importante, garante sucesso no curto prazo, rejuvenesce o negócio com menor risco, mas é limitado e perigoso para a continuidade dos negócios no longo prazo.
É por outra estrada mais desafiadora, com curvas sinuosas, desmoronamentos possíveis, eventuais ruas sem saída, onde imaginamos e criamos o futuro. Por aí que detectamos e interpretamos tendências, analisamos cenários a partir de sinais e abstrações, geramos novos conhecimentos e concebemos nossos futuros. São caminhos que construímos enquanto inovamos, com riscos e dificuldades, mas que contribuem para manter a relevância da organização no tempo futuro, considerando mudanças tecnológicas, sócio-culturais, ambientais, entre outras dimensões.
Gosto de citar o McDonald’s. Desde a primeira vez que fui à lanchonete no inicio dos anos 1980, vi o Méqui se transformar dezenas de vezes. Se estivéssemos na direção da empresa, provavelmente faríamos leituras regulares sobre enormes transformações que impactariam o negócio como a multiplicidade de concorrentes fast-food, da tendência de customização e “gourmetização” dos sandubas, do movimento pela alimentação saudável, do crescimento do delivery, do avanço digital. Nesse contexto, nossos projetos de inovação estratégicos seriam pontes para um futuro relevante, nos adaptando ao espírito do tempo, mesclando produtividade e flexibilidade, implantando mudanças de cardápio e formatos de loja, agregando digital e delivery, modernizando a marca Méqui…
Inovação é construir pontes para esse futuro pujante. É alocar recursos para experimentações, geração de conhecimento, projetos de inovação com potencial de criar valor no amanhã, com a certeza de que algumas iniciativas não decolarão enquanto outras triunfarão por algum tempo. É mais uma licença para competir com certa vantagem. Mas vale lembrar que, com o passar do tempo, essa licença sempre expirará e exigirá o exercício contínuo da reinvenção, da revisão estratégica.
Portanto, seja em terrenos incrementais ou territórios revolucionários, inovação não é só brainstorming, inspirações individuais, sugestões randômicas em caixa de ideias. Junto com a aventura do processo, há método, imersão no problema, priorização e comprometimento da organização. Nessa rotatória é que muitas vezes o processo se paralisa, quando essa tarefa anterior não é bem feita e a organização fica à deriva, sem entender seu propósito, sem visão estratégica consistente, sem comunicação clara de expectativas, sem mapas e recursos mínimos para a inovação, sem acompanhamento de metas.
Claro que mapas não podem ser engessados e impedir que inovadores tragam seus questionamentos e ideias durante todo o tempo. É essencial criar um ambiente de liberdade, intraempreendedorismo e colaboração, mas é vital quebrar o mito de que a roleta randômica sem nenhum método é o principal mecanismo da inovação nas organizações.
Escuto gente dizendo que planejamentos e visões de longo prazo foram sepultados. Claro que o mundo é mais fluido, volátil, acelerado, e requer novos modelos, agilidade e flexibilidade. No entanto, é fundamental cultivar visão e planejamento de mais longo prazo para a inovação.
Como uma empresa como a Eve Air pode desenvolver carros voadores sem cenários e pontes para seu futuro desejável? Como montadoras podem apostar em sua enorme transição para veículos elétricos e autônomos? Como empresas de alimento podem conceber investimentos em produtos mais saudáveis se o horizonte for só trimestral? E as construtoras? As empresas da agroindústria? De games?
Aproveito para perguntar: Quais pontes para o futuro estão sendo construídas em sua organização? Quais tendências estão sendo contempladas nas suas operações? Como é a gestão da construção dessas pontes?
Trago ainda para nossa conversa Lenine, grande artista pernambucano. Herdando o pensamento de seu pai, o músico afirma que, antes de realizar qualquer projeto, é necessário responder a 3 perguntas: Para quem? O quê? Por que fazer?
Essas perguntas centrais costuma ficar esquecidas na arena da inovação. Para quem inovamos quase deixa de ser relevante. Olham para um cliente “sem rosto” cujo grande papel no enredo todo é consumir, engajar, comprar recorrentemente, custar alguns reais para ser adquirido e mantido ao longo da vida.
Por quê inovar? Muitas vezes, a explicação é autocentrada, no game do empreendedor-investidor serial, mas o potencial impacto positivo a ser gerado na vida das pessoas se torna secundário.
A nova economia imita as corporações que também perdem a conexão com os clientes ao se dispersar em gerir seus infinitos indicadores internos. Felizmente, há muitas pessoas em organizações e startups que não perderam a essência. Seguem dançando na batida genuína da inovação, trazendo claro na cabeça o que fazem, para quem suam suas camisas, e por quais razões tiram seus pijamas para romper paradigmas, aprender mais, colaborar, gerando soluções de valor e entusiasmadas para construir pontes para futuros.
Na sua jornada para inovar, lembre-se das 3 perguntas do Lenine: Para quem inovar? Por quê? O que / qual valor gerado pela inovação?
Inovação não é destino. É a jornada para impactar positivamente nossos clientes e a organização, um meio para alcançar nossa visão estratégica, um processo para criação de valor e vantagem competitiva, uma estrada para manter nossa relevância no futuro.



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