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Abaixo o Hobby!

  • Foto do escritor: Luiz Serafim
    Luiz Serafim
  • 3 de mar.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de ago.

Quer se juntar a mim numa nova “cruzada”? Procuro voluntários para derrubar o conceito de hobby que a sociedade consagrou, jogando atividades tão importantes dentro de um plano secundário, pouco relevante, nas brechas de tempo cada vez mais raras de nossa vida.


A indignação ganhou corpo na minha jornada de palestrante quando cismavam de me apresentar destacando apenas a minibio profissional. 

Serafim estudou aqui e ali, trabalhou na empresa tal e agora é “vice-presidente de assuntos aleatórios” na empresa X. 

Até tinha orgulho de minhas experiências, com graduações em escolas de boa reputação, passagens por empresas admiradas e posição razoável numa organização criativa. Entretanto, sentia falta de muita coisa, com dimensões vitais silenciadas, especialmente se o contexto fosse de Inovação.

 

Claro que ninguém deve passar 20 minutos falando de si e de tudo que compõem seu universo antes de começar uma apresentação (tem muito egocêntrico cuja palestra é isso...). Mas por que valorizar tanto só um ângulo da fotografia, o tal lado profissional, de cargos e formação acadêmica? 

Nos anos 1980, o psicólogo Howard Gardner desenvolveu um estudo maravilhoso sobre inteligências múltiplas que valoriza potenciais humanos diversos, mas parte das organizações, escolas e sociedade ainda se guia pela inteligência lógico-matemática, causando desequilíbrios e infelicidade geral de Pessoas e Nações. 

Tomando a palavra, passei a me “reapresentar” a mi manera, my way. Fui adicionando coisas preciosas que me definem “por dentro” como grande curioso, professor-aprendiz, pai orgulhoso do Gabriel, jovem com deficiência física e promissor atleta paralímpico, apaixonado por aplicar inovação na vida.

 

Um dos meus talentos é que sou pianista, compositor, com participação ativa em bandas diversas desde a Beautiful People (Tim Maia Cover, desde 1991), a aSOULciation (clássicos do Soul, desde 1993), a Serafa’s Jazz Band (Standards de Jazz, desde 1992) e a mais recente, a MangoSucking Dogs (releitura do rock nacional dos anos 1970, projeto virtual da pandemia). 

Ao elaborar sobre essa dimensão musical tão presente na minha trajetória, entendi que música não é “hobby”. É muito mais! 

No dicionário e no entendimento comum, hobby é uma atividade regular de entretenimento, um passatempo que se realiza exclusivamente como lazer em momentos em que não trabalhamos.

 

Só que esse significado é desses últimos séculos em que acham que a vida é bem separada em compartimentos que não deveriam se misturar. É o modelo que nos acostumou ao trabalho duro e ritmo insano, com finais de semana para recarregar baterias, descomprimir e retornar para a ciranda maluca. 


Faz 15 anos que penso de outra forma, derrubando a vida em compartimentos, integrando dimensões e transformando o antigo conceito de hobby.

 

Na minha vida, Música é fundamental, independente de remuneração. Sempre ganhei pouco dinheiro com arte. Já toquei para multidões em êxtase, em casamentos felizes e casas noturnas chiques, mas também já toquei para 4 pessoas em salas escuras de lugares tristonhos. Em qualquer situação, a sensação de bem-estar é máxima, antes, durante e depois de tocar. 

Para mim, tocar piano é tão importante quanto trabalhar, empreender, palestrar, lecionar…”. É atividade fundamental para a felicidade, autoestima, criatividade, e me leva para novos ambientes, estimula a colaboração e aprendizado, desenvolve meus talentos, fortalece minhas conexões com outros universos. 

Claro que tudo isso não fica restrito à música. A gente faz contrabandos inconscientes de uma dimensão da vida para outra. Mia Couto diz a mesma coisa enquanto biólogo e escritor. A enfermeira-sambista Ivone Lara sabia das coisas. Steve Jobs também se referiu a essas curiosas conexões como paraninfo em universidade.

 

Eu ganhei mais consciência com uma designer de sapatos quando estávamos em grupo de alunos da Escola São Paulo, cocriando nomes para um projeto audiovisual que idealizei. 

O nome provisório do programa era Lado B como nos antigos álbuns que traziam as canções potentes, porém menos populares, ainda de mãos dadas com essa ideia desbotada de “hobby”, buscando apresentar o lado desconhecido das pessoas e suas atividades paralelas secundárias "menos relevantes".

A guria disse em alto e bom som: Lado B? Esse nome é muito ruim. Ser humano não tem lado. Não somos um dado para termos lados. Nossas dimensões são integradas.

Essa história tem uns 10 anos e naquele dia, o nome Lado B foi sepultado para sempre e o programa se tornou “Inspira.Mov” (com 3 temporadas na TV Cultura pela Grifa Filmes) ou somente Inspira (doc com mais 3 temporadas feitos com a poesia da Prosa Press e a direção sensível da Patricia Travassos.

 

Desde então, venho pregando que Ser Humano não tem lado, que precisamos nutrir nossas diversas áreas de interesse e colocar nossos talentos plurais para atuar no mundo. E que antes de falar de inovação na empresa, temos de pensar na inovação dentro de nós. Inovação são pessoas!


Tem gente que diz que essas atividades de expressão da alma, sejam elas quais forem, são uma espécie de terapia, mas não gosto muito dessa moldura. Tocar instrumento, cozinhar, pintar, fazer crochê, escrever, caminhar, fazer trilhas, cultivar um jardim… nada disso deve ser fuga ou escapismo da realidade, e sim um ENCONTRO MAIÚSCULO consigo mesmo.

 

Na pandemia, assisti a muitas palestras que falavam de saúde mental e entendi que psiquiatras até usam um termo para os “hobbies” que se afinam com meu conceito. Essas atividades seriam protetores de saúde, entendendo-a não como ausência de doenças, mas como um estado satisfatório de bem-estar integral que passa pelo físico, mental e social.

 

Então, não se trata de esquecer de problemas, mas sim lembrar do que nos motiva e nos dá sentido, nos desafia e nos impulsiona para o estado de "flow". 

Na minha moldura que valoriza criatividade e colaboração, essas atividades contribuem para a saúde e plenitude, me colocam em movimento, me enchem de entusiasmo e autoestima, oferecem novos significados, me aproximam da felicidade. 

Pode acreditar que, depois de compor mais uma canção, fazer um sarau com amigos, ensaiar um repertório com a banda, ou tocar sozinho numa tarde, além de toda a emoção e sensações deliciosas, tudo isso transborda para os próximos dias e outras dimensões, dando mais confiança para desenvolver um novo projeto, gerando mais alegria para encarar outra reunião de trabalho, estimulando o potencial criativo para uma cocriação com colegas, animando intensamente os papos com família e amigos. 

Abaixo a ideia de Hobby como passatempo secundário, quase dispensável, relegado a momentos de lazer. Vamos elevar essas alegrias à condição de Prioridades de Vida, Práticas de Bem-estar, Razões de Viver. 

De agora em diante, não esqueça do seu violão empoeirando e sem corda atrás do sofá, nem deixe a prancha de surfe lá no quartinho da casa dos seus pais. Resgate o equipamento de fotografia em cima do armário, agende o plantio das sementes para os próximos dias, se matricule no curso de culinária para reunir os amigos, abra um caderninho para registrar seus poemas.

 

Invista na sua saúde, na criatividade, no seu bem-estar e potencial colaborativo. E eu vou lá para o piano (my Baby Grand, Mr Billy Joel) ensaiar mais uma canção porque logo tem sarau, mais significados, partilha e celebração. Tem mais vida!

 

Como canta Caetano, "como é bom poder tocar um instrumento"!


(artigo originalmente publicado na minha coluna Inspiração para mudar o mundo no linkedin em nov de 2023)

 
 
 

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